Eu não escolhi ser mulher, e ainda não escolho hoje.
Minha escolha por ser mulher não se refere as minhas características físicas, como órgão reprodutor e seios, me refiro à criação social em que o gênero "mulher" se encontra.
Desde que nascemos já crescemos com formações obrigatórias, roupas, brinquedos, a presença do cor de rosa, e isso piora quando você cresce e tem que atender as exigências do mundo, revistas, novela, maquiagem, salto alto, vestido, casamento...
Ocorre que a mulher dentro dessa construção social na qual está inserida, desde sempre é sugerida com o ser que deve dar satisfações, e se submeter ao homem.
"De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos". Efésios 5:24
"Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor;”. Efésios 5:33.
O que justifica o fato de que ao longo dos anos, diversas mulheres tem sofrido os mais diversos tipos de abuso por parte dos homens, inclusive de seus companheiros, agressões que vão de verbais, beliscões, tapas, e até sexo foçado com o próprio marido.
Porém, após tantos casos, aqui no Brasil, no dia 22 de setembro de 2006 entrou em vigor a Lei Maria da Penha, que nasceu à partir da denúncia de uma mulher, Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu agressões domésticas diariamente por parte de seu esposo, durante seis anos de casamento. Hoje, Maria da Penha é paraplégica, por conta da agressões que sofreu nesse período e seu esposo foi preso no dia seguinte, após a lei entrar em vigor.
Isso foi um grande passo em relação à defesa da mulher, mas ainda não é tudo. A lei é bem recente e os agressores não ficam presos por muito tempo, e a mulher, se não é atendida em uma delegacia da mulher, é atendida em alguma outra com um homem que é tão machista quanto o mesmo que a agrediu e que com certeza não vai se preocupar tanto com o ocorrido e claro, lançar sobre a vítima a culpa do que aconteceu (não saiu de casa porque não quis, escolheu o marido errado, apanha porque gosta e tantos outros...)
Por conta de todos esses fatores e tantos outros mais é que muitas mulheres ainda são agredidas, se sentem humilhadas em procurar apoio, até mesmo da própria família. Também ocorre o terror psicológico em que a vítima se encontra depois, o medo de sofrer algum tipo de agressão constantemente e o fato de não saber se vai se relacionar com outra pessoa sem ter certeza de que ele não pode ser um agressor.
A luta contra isso deve ser constante, os grupos de apoio à causa da mulher tem crescido, mas infelizmente não parecem observar os dados e nem sempre agem da maneira certa. Dentro do meio libertário, punk, anarquista, hardcore e de diversos coletivos, ainda se encontram pessoas que pensam que o homem e a mulher possuem diferenças, que a mulher é um ser inferior, mais frágil.
Ontem recebi uma carta aberta de Kamili Picoli, que é de Sorocaba e fazia parte do coletivo Castelo Fora do Eixo e colaborava para o mesmo juntamente com Pedro Pacheco, seu companheiro na época, ocorre que essa carta denúncia justamente os ocorridos no período de relação de ambos e depois sobre a última agressão após a separação dos dois, quando a mesma estava a se relacionar com uma outra pessoa, que foi tão omissa quanto, que a deixou ser agredida pelo antigo companheiro.
Acontece que ao compartilhar minha visão sobre isso e acompanhar a visão de outras pessoas quanto a isso me deparei com pessoas que fazem parte desse meio de hardcore, que se dizem libertários e que apenas afirmaram que era preciso ouvir os dois, que era preciso saber o grau das agressões e ainda outros dizendo que eram amigos do cara e que ele não faria algo assim, que a garota devia estar inventando coisas e ainda os que curtiram a atualização de status do mesmo, quando ele disse que os fatos deviam ser apurados.
Então, decidi escrever aqui sobre esses ocorridos, sobre essa postura de homens e mulheres que conheço e que acham que essas afirmações são coerentes, decidi escrever para expor minha decepção em relação a cena hardcore, punk, libertária, meu sentimento de tristeza, porque não há nada mais triste ver pessoas que deviam fazer a diferença se rendendo tão fácil ao senso comum, somente porque se trata de alguém que organiza eventos dentro desse meio, tem contatos e recursos financeiros.
É preciso entender que em uma situação de agressão física em relação à mulher, não é preciso ouvir os dois lados, não se precisa saber porque o agressor a agrediu, porque ele já está errado só pelo fato de ter agredido.
Não há nível de agressão, se ela for verbal, física, psicológica, se for um beliscão ou uma surra, deve ter o mesmo peso.
É importante pensar, se a mulher, essa construção social absurda, vem sendo inferiorizada por anos, vem sendo oprimida diariamente por todos os meios possíveis, se essa mulher é agredida por um homem que não sofre e nunca sofreu nada desse terror diário, ao qual somos mantidas, não é preciso escutá-lo. Porque nada vai justificar uma agressão.
"Pensei seriamente sobre postar ou não algo sobre isso, mas não posso achar que não tenho nada a ver com isso só por não ter mantido contato com ambos anteriormente e que a vida é deles e não tem ligação com a minha, porque é da minha conta sim!
E sabem porque? Porque eu sou mulher, porque eu sofro diariamente com os piores ataques do mundo, porque para a maioria das pessoas, eu sou inferior. E por não querer me ver dentro de um meio formado por machistas que se fingem de libertários e de posições feministas, não quero me ver rodeada de homens e mulheres que vivem de uma maneira e discursam outra.
Então isso tudo é da minha conta também"